Por João Carlos da Cunha Moura (@viagemaleatoria e http://viagemaleatoria.wordpress.com)
Não é tão recente a campanha iniciada pela torcida do CRB-AL, na qual foram confeccionadas camisas com os dizeres “Nordestino de coração torce pelo time da sua região”. A campanha se espalhou e começa a tomar conta do Nordeste do Brasil, em uma forma de aumentar o ímpeto pela identidade do povo dessa região. Importante frisar que na parte traseira da camisa vinha escrita a frase “Eu escolhi meu time, a mídia escolheu o seu”. Esta frase foi adaptada em alguns estados para “Eu escolhi meu time, não deixe a mídia escolher o seu”, como uma forma de passar a mensagem de maneira mais sensata, posto que afirmar que a mídia impôs escolha a determinado indivíduo é de certa forma tão impositivo. Afinal, não sabemos quais as razões que levou um indivíduo a torcer para determinado clube de futebol.
Esta série de posts será dedicada à análise da campanha “Nordestino de coração torce pelo time da sua região”. Tomados em três partes (identidade, mídia e abordagens críticas), os posts servirão para que se discuta a questão do futebol e da torcida de futebol dentro da Região Nordeste do Brasil, região que sofre com a má gestão dos clubes, influência da mídia e consequente evasão de torcida para times alienígenas.
Pois bem, tomadas as devidas proporções esta campanha tem o mesmo viés da hereditariedade clubística dos torcedores da Argentina, por exemplo. No país dos hermanos, o regionalismo fala muito alto na escolha do time do coração. Daí você pode entender porque determinados habitantes de um bairro torcem para o Boca Juniors e os de outro bairro torcem para o Huracán.
Até aí nada estranho e certamente não estamos comparando o Brasil com a Argentina. Mas, como foi dito acima, tomadas as devidas proporções a campanha tem a intenção de se criar esse ímpeto de identidade por parte do nordestino, pelo menos em relação ao futebol – se não é possível, ou muito difícil, tentar criar esta identidade em outros âmbitos, o futebol tem uma força nos dias atuais que pode mover montanhas maiores que o Himalaia.
Nesse caso, pensemos: se na Argentina, um país de dimensões muito menores que o Brasil, nós podemos enxergar essa identidade, por que no Brasil, a formação de uma identidade é tão difícil, em se falando de futebol? Principalmente na região Nordeste?
Primeiro vamos aos fatos que talvez corroborem alguma tese maluca sobre os torcedores mistos, como são chamados os nordestinos que torcem para times alienígenas.
Nas primeiras décadas do futebol no Brasil, pouco se transmitia em termos de notícias e partidas para o resto do Brasil. No entanto, já se tinha para além fronteiras dos seus estados os nomes de certos clubes falados para o resto do território nacional. O Fluminense é um caso clássico desse tipo de clube, que conta com uma torcida, se prestarmos bem atenção, composta por pessoas mais velhas que vivenciaram aquela época de transição do futebol amador para um futebol profissionalizado. Tanto o é, que a criação do Sampaio Corrêa, o maior clube do mundo, se deu em tricolores formas porque seus fundadores eram em sua maioria torcedores do Fluminense.
Além do mais, a dificuldade de organização e profissionalização do futebol no Nordeste, uma região há longos anos imersa em pobreza, fazia com que os clubes demorassem a montar quadros (como eram chamados os plantéis de jogadores) profissionalizados e dedicados à prática esportiva. Era comum que os jogadores tivessem outras atividades extracampo. Isso quando não eram parte da própria elite das regiões, fato que também fazia parte do cotidiano futebolístico no país. Um esporte da elite para a elite, uma forma de segregação, que pouco depois, graças a alguns clubes, começou-se a desestruturar esse paradigma.
No Maranhão, por exemplo, é comum haver vários torcedores de times “estrangeiros”, mas nenhum estado aqui no Maranhão é mais adorado que o Rio de Janeiro. Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco, tem uma enorme torcida em todo o Estado, coisa mesmo de torcedor fanático, os times paulistas vem logo em seguida, mas dificilmente conseguem combater com as torcidas dos clubes cariocas. No entanto, os times do Maranhão também contam com sua torcida, uma torcida apaixonada, diga-se.
Assim, em termos de torcida os times do Maranhão, e arrisco dizer, do próprio Nordeste, em geral, ficam relegados a segundo plano. Salvo, claro, alguns estados, como Pernambuco e Bahia, e um pouco do Ceará. Desta forma, a campanha vem a criar um senso de responsabilidade dentro do âmbito do seu próprio estado.
Grande parte das nossas agremiações nordestinas de futebol são frutos recentes (comparados aos centenários clubes dos outros estados) de empreitadas de amantes do esporte bretão, isso também dificulta a passagem hereditária da torcida. Quando os próprios fundadores e/ou presidentes de certos clubes torcem para outros times é complicado traçar metas para agregar adeptos.
Mas o que é a identidade que tanto se fala neste texto? Identidade aqui se refere à identidade cultural, um sistema de relações entre indivíduos e grupos, no qual o compartilhamento de patrimônios comuns (língua, religião, esportes, festas etc.) é peça chave para o fomento da região, inclusive no que tange à formação de fronteiras, por exemplo. Este processo é dinâmico, que tem construção continuada, e se supre de várias fontes no tempo e no espaço. É isso que falta em algumas partes do Nordeste brasileiro no que tange ao futebol.
A comodidade do povo nordestino em alguns casos, faz com que seja mais fácil se livrar da “guerra” por melhores condições para se debruçar na cama sem a “cabeça confusa” de questionamentos sobre a sua situação real. Comodidade esta gerada pela vitória do capital sobre os assuntos da vida. Esta falta de atitude, no campo político e social, faz com que o time da sua região, às vezes seja relegado a segundo plano, já que pela TV seu trabalho é apenas “torcer”, as aspas indicam que esta torcida não é nada além de uma forma de ser um mero telespectador de um programa de televisão, no qual você colabora para audiência. Nesse sentido, você não tem que se preocupar com o dirigente que gere mal o clube ou a federação, não precisa ir aos treinos do seu clube do coração, não precisa se preocupar em enfrentar a fila e comprar ingresso… é mais cômodo que se faça isso sentado, assistindo o programa de esportes ou o jornal.
O nordestino, apesar de sua forte paixão pela sua região, mas basta acontecer algo que venha fora das fronteiras nordestinas para já ter a aceitação. Óbvio que esta agregação de valor estrangeiro vindo do resto do Brasil é um ponto que em muito colabora para aquele processo dinâmico de culturação, ou seja, é importante que se agregue o valor e o transmute para dentro de sua vida interna. No entanto, agregar o valor não é submeter-se a este valor. É o que acontece com o nosso futebol, pela falta ou de qualidade ou de atitude política (no sentido de tomar para si e defender a opinião, não do eleitoreiro), de sair às portas de federações e clubes cobrando profissionalismo, que o futebol nordestino perde força, muitas vezes para um só estado.
Identidade que falta dentro de um contexto de socialização, que permite poder torcer pelo time da sua região, acabando com esta nova política de indústria cultural que tenta se formar no Brasil, colocando e impondo determinadas escolhas, sob o argumento da sociedade globalizada.
Parece esta ser a vitória da tal globalização, uma palavra nova para colonização.
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